quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Manifesto contra a cultura que permite a exploração e sofrimento dos animais.

Este texto foi originalmente escrito em resposta a críticas que ativistas pelos direitos animais sofreram depois de realizarem manifestos contra a Expointer, uma grande feira de exposição de animais. Aqui o texto está reeditado na forma de um “manifesto geral” contra este tipo de práticas que promovem o uso e exploração de animais. O texto original, contextualizado ao momento em que foi escrito encontra-se neste link.

Notas:
 A palavra “animal” e “animais” aqui é usada no senso comum, pois o correto seria (demais) animais (ler notas no final).
A palavra "vegetariano" aqui utilizada pode significar vegetariano e/ou vegano, pois parte de uma noção ético-filosófica nos hábitos alimentares e outras atividades humanas.
        
Manifesto contra a cultura que permite a exploração e sofrimento dos (demais) animais.

         Para muitas pessoas nossas atitudes de defesa dos animais e nossas críticas e manifestações às atividades que permitem o sofrimento e exploração animal são consideradas inoportunas e mesmo ridículas.  Sim, nossas atitudes são inoportunas para muita gente, como em outros tempos outras atitudes causaram estranheza. Foi assim quando as mulheres saíram às ruas pedindo espaço e direitos políticos, ou quando trabalhadores exigiram novos direitos e tem sido assim a cada transformação cultural. Muitos outros exemplos poderiam ser citados para mostrar que estamos diante de uma grande transformação cultural.
Não queremos agredir, mas temos uma causa. Estamos aprendendo a construir um mundo diferente daquele em que temos vivido onde os animais são vistos como objetos de consumo humano. Também estamos aprendendo a criar espaços num mundo que ainda não nos reconhece e não somos uma unidade entre nós, porque ainda não temos um espaço neste universo cultural que compartilhamos e porque somos todos singulares. Mas dentro de nossa pluralidade há um consenso: animais foram feitos para serem livres e não para serem explorados e sacrificados pelos humanos. Como os animais não podem se defender da escravidão e exploração, muitas vezes cruel, a que têm sido submetidos, nos unimos neste ideal pelos animais e não contra aqueles que agem e pensam diferente de nós. Apenas queríamos que a humanidade assumisse sua responsabilidade para com estes seres mais vulneráveis e para com a natureza degradada e modificasse sua postura de dominação.

Seria mais fácil se pudessem também nos ouvir e compreender e ver que temos uma causa libertária e queríamos que entendessem que nosso alvo é acabar com o sofrimento de seres indefesos e não criar novas disputas ou celeumas. Fazemos parte deste mundo “não-vegetariano” e sabemos como é a ótica antropocêntrica (especista) na qual o mundo ocidental está calcado. Agora pedimos que vejam a nossa ótica e entendam porque agimos assim. Se não estivesse em jogo a vida de animais indefesos agiríamos diferente. Na realidade não nos importamos com os hábitos dos outros, mas gostaríamos de acabar com o sofrimento dos animais, que são mais indefesos e vulneráveis, por isto nossas ações. Elas não estão relacionadas diretamente ao que as pessoas fazem ou deixam de fazer, mas ao que acontece a animais que são injustamente explorados e maltratados.

Lamentamos que alguns nos vejam como numa disputa de ideais ou de qualquer tipo. Também estamos aprendendo a construir outro espaço onde nossos hábitos possam ser recebidos e respeitados e estamos aprendendo a criar este espaço, o que nem sempre é fácil para todos. Muitas vezes somos agredidos simplesmente por sermos diferentes, num mundo que ainda não aprendeu a nos respeitar e incluir. Somos apenas uma minoria que gostaria de não mais ver seres indefesos sofrerem para satisfazer necessidades humanas. Não queremos desrespeitar ou agredir ninguém; nosso foco é livrar os animais do sofrimento que causamos a eles na busca do bem-estar humano.

Na realidade queremos é defender um ideal de respeito a todos e não agredir ninguém, mas estamos vivendo uma crise de paradigmas e é provável que muitos nos vejam com estranheza e preconceito por conta de uma lenta transformação cultural que ainda não se processou. Saibam que nossa intenção não é agredir e sim ganhar um espaço e defender um ideal de respeito e mesmo dignidade inclusiva aos animais. Tampouco queremos impor uma forma de vida ou visão de mundo. Entendam que nossas ações são por causa dos animais e não por causa do que outras pessoas fazem ou pensam ou deixam de fazer, mas isto nos leva a um confronto inevitável. Este é o começo de um novo caminho, desconhecido ainda por todos, que é a construção de uma nova forma de viver na sociedade e de uma nova forma de conceber a relação do homem com os demais animais e a natureza. Isto pode gerar um conflito entre os que pensam diferente, mas o ideal de libertar os animais do sofrimento nos leva a prosseguir. Estamos neste conflito sendo agentes de uma grande mudança. Nosso único objetivo é a libertação dos animais da crueldade e da exploração humana.

Nota: Caso alguém se sinta diminuído ou comparado a animais, é preciso reforçar que não comparamos os humanos aos animais, primeiro porque somos todos animais e tampouco vemos nisso demérito. Estes exemplos ilustram a resistência que existe diante de novos paradigmas. Tampouco partimos da lógica que dá menos valor a alguns seres ou pessoas, por isto esta comparação não faz parte de nosso discurso. Valorizamos a singularidade de todos na natureza e não partimos da lógica que cataloga hierarquicamente as pessoas ou demais animais. Partimos da ideia de que todos são importantes por serem exatamente como são, animais, humanos ou grupos de pessoas. Não nos reportamos a alguns indivíduos ou grupos como superiores ou inferiores, mais ou menos evoluídos, mais ou menos importantes. Esta ótica de hierarquias entre os seres (animais ou pessoas) é um dos princípios desta lógica de exploração e exclusão que tem engendrado o preconceito e arbitrariedades que têm sido a base das grandes injustiças sociais e também da exploração e crueldade para com os animais. Há violência nestes princípios e não somos adeptos da violência com nenhum ser. Queremos é a harmonia e o bem-estar de todos. Para nós não há pessoas de “segunda categoria”, nem animais com menos valor que justifiquem seu uso ou “descarte”. A mudança de paradigma que se apresenta agora é a ideia de que o homem não só não é o centro de todas as coisas, como tampouco a natureza e o universo foram feitos para nos servirem ou para serem usados por nós. Cabe ainda lembrar que o respeito à natureza faz parte destes princípios e sustentamos os princípios e práticas ecológicas que deem conta da preservação e proteção do meio ambiente como um todo. O paradigma do qual somos porta-vozes nestas manifestações traduz, além do respeito aos (demais) animais, a ideia de que o homem participa do universo como tudo e todos e tudo está conectado entre si harmoniosamente. A postura de dominação que o homem tenta impor a tudo e a todos não somente é eticamente ultrapassada como tem sido responsável pelo grande desequilíbrio que estamos vivendo na natureza e mesmo em outros grandes conflitos da nossa atual civilização. O respeito aos (demais) animais faz parte de outra ética, de outra lógica, de outra forma de nos posicionarmos no universo, como participantes responsáveis e por isto capazes de preservar a natureza e a harmonia que temos afetado neste lugar de dominação. E esta é a tônica de nossas manifestações, porque nos opomos à exploração que domina e subjuga os indefesos.


Eliane Carmanim Lima

Notas escritas a partir de comentários sobre o texto original.

1- Existem grupos pela causa animal ou vegana mais radicais em suas ideologias e práticas, mas nenhum é adepto da violência para com animais ou humanos. E gostaríamos de sugerir que duvidassem de que ações que contenham atos de violência em nome da libertação animal ou de grupos com estas propostas. Isto ou provêm de pequenos grupos ou pessoas isolados e não em nome de grupos organizados que defendem a causa animal e poderiam mesmo vir da má fé daqueles que nos veem como ameaça a seus interesses. Defensores de direitos animais são pacíficos e pregam a não-violência entre todos os seres!Defensores de animais, vegetarianos, defensores de direitos dos animais e veganos não pregam a violência e focam suas ações em construir um mundo de paz e respeito entre todos os seres.

2-Não é verdade que toda a humanidade se alimente de carne desde sempre como foi dito na Assembleia do RS. Há povos que historicamente não se alimentam de carne como os hindus na Índia. Os hindus correspondem a 60 % da população indiana e é uma população milenar que não se alimenta de carne e esta religião e filosofia prega a não-violência para com os animais. É preciso lembrar que a população indiana é superior a um bilhão de habitantes, então 10 % da população indiana corresponde aproximadamente ao total da população brasileira! Não podemos ser etnocêntricos e excluir esta importante fatia da humanidade e outros que já eliminaram a carne da alimentação e dar a dieta não-vegetariana como padrão a ser seguido por todos. Mesmo no ocidente a banalização do abate de animais para consumo é recente na história até pouco tempo, a sociedade ocidental a ingestão de carne era em pequenas quantidades.
 Pedimos que seja respeitada nossa opção que é mais do que uma escolha alimentar como nos faculta a Constituição, assim como o direito de manifestação de acordo com as exigências de nossa consciência. Por isto reforçamos que não é a humanidade toda que se alimenta de carne. E por isto escrevemos esta resposta para que nos compreendam! Apesar de sermos brasileiros e brasileiras com os mesmos direitos dos demais cidadãos e esta ser uma importante questão de consciência para nós, a escolha por não consumir produtos de origem animal, ainda não é atendida pela legislação brasileira, já que ela ainda não nos faculta saber exatamente o que consumimos nos alimentos, cosméticos e outros produtos. Descobrimos a duras penas que muitas vezes estamos ingerindo até mesmo carne em alimentos e bebidas que não apresentam no rótulo a real procedência da matéria prima utilizada na composição de seus componentes.

3-Tampouco é verdade que o consumo de carne esteja aumentando. O que tem aumentado é a população mundial e com isto o número de indivíduos para serem alimentados e por esta razão mais carne é consumida. A proporção de vegetarianos e veganos no mundo está aumentando visível e significativamente no mundo inteiro e mesmo no Estado do Rio Grande do Sul de tradição gaúcha, tradição esta que não é cultuada por todos os segmentos da população gaúcha. Em Porto Alegre há aproximadamente 30 estabelecimentos vegetarianos e veganos e este número cresce rapidamente. Há 20 anos existia tão somente um único restaurante vegetariano e muitas pessoas que não são vegetarianas também têm se aliado à dieta vegetariana e vegana sem verem no vegetarianismo e no veganismo um problema e muito menos um retrocesso!
Assim como outras tradições já foram modificadas muitas outras serão modificadas, porque este argumento da inércia da tradição não é razão suficiente para manter-se o hábito que permite a exploração animal. (Há inúmeros exemplos que não cabem ser levantados aqui de hábitos culturais chamados de “tradição” que já se modificaram). O fato de um hábito ser milenar não é razão suficiente para ser perpetuado e muito menos podemos considerar comer carne como um avanço da civilização. Isto é no mínimo contraditório, porque mostra que é um hábito que remonta o tempo em que não havia a cultura que hoje temos, seja no aspecto tecnológico, como ético. Se é antigo não quer dizer que seja um avanço, ao contrário, mostra que é um hábito do tempo em que a humanidade não tinha muitos recursos tecnológicos e porque não dizer, civilizatórios. Também há um equívoco e desconhecimento sobre a história da alimentação, pois a banalização da carne como alimento é bem mais recente na história da alimentação, pois até a Idade Média o consumo de carne era bastante reduzido.

E não há retrocesso nenhum em deixar de usarmos os animais para consumo, nem para a alimentação. O fato de algumas pessoas quererem excluir o uso de animais na alimentação e em outras áreas de consumo em suas vidas mostra uma mudança cultural que é baseada em outros princípios e mesmo outros conhecimentos a respeito de saúde, degradação ambiental e otimização da terra e água para alimentação de um maior número de pessoas, bem como outra ética. E a pecuária não é a melhor forma de garantir alimentos, saúde e equilíbrio ecológico. Retrocesso seria persistir investindo no uso de animais para alimentação e vestuário e outras áreas do consumo humano, principalmente quando já temos condições de saber que alimentos vegetais alimentam muito mais pessoas degradando muito menos a natureza com um uso muito menor de terra e água, sem contar que garantem a saúde e qualidade de vida daqueles que aderem a esta dieta. E para nós é retrógado o uso indiscriminado dos animais para o consumo humano da forma como é feito por nossa cultura ocidental. Resta dizer que repudiamos totalmente o uso dos animais como forma de “diversão” como é feito nos rodeios e no que nos diz respeito: no “Freio de Ouro”!

Reforço que esta carta foi no sentido de mostrar porque nos opomos a esta cultura e não para nos opormos às pessoas que pensam desta maneira. Não é a estas pessoas que chamamos de retrógadas, mas a cultura que insiste nestes hábitos. Há aqui um apelo cultural muito forte como houve com outros hábitos que foram erradicados de nossa cultura e compreendemos isto. Nossas manifestações são para acelerar a mudança e para que outras pessoas libertem-se do longo condicionamento cultural de que têm sido sujeitos (ou sujeitados). Queremos a libertação dos animais da exploração humana e a liberação do condicionamento humano que prega o uso dos animais no consumo. Nosso objetivo não é agredir, atacar, hostilizar, nem desvalorizar ninguém é apenas defender quem não pode se defender da exploração e do sofrimento.

4- Resta dizer que não se trata de “um grupo de vegetarianos” que protesta contra a Expointer, mas um grupo de pessoas (ou mais de um grupo de pessoas) que se opõem à exploração animal e como somos coerentes não usamos animais também na alimentação. Em nossos grupos há também uma grande diversidade, somos professores, cientistas, psicólogos, médicos, advogados, promotores, estudantes, jornalistas, veterinários, biólogos, servidores públicos, e muitos outros, enfim pessoas conscientes de suas escolhas e atitudes. Somos é um grupo de pessoas que protestam contra a exploração animal, por isto nos tornamos vegetarianos (e veganos) e não o contrário!

5-Hoje em dia existem pessoas que se opõem ao nosso vegetarianismo ético e nos atacam.
Da nossa parte isto é o que menos importa, ir contra pessoas, estas ou aquelas, mesmo que existam entre nós pessoas que acabem em oposição a outras que pensam diferente. Mesmo que nossa causa nos leve a conflitos muito evidentes e às vezes nada pacíficos, ainda assim não é este nosso foco, atacar pessoas ou grupos.
Entre nós há também diferenças e mesmo divergências, como existem em todos os grupos e movimentos, mas temos, entre nós os veg, um mesmo ideal.
Não existe nenhuma diferença entre nós veg e os anti-veg, porque somos todos singulares e diversos e em vários aspectos semelhantes e em outros diferentes e humanamente cheios de idiossincrasias, mas há algo que nos diferencia radicalmente.
Enquanto os anti-veg estão unidos contra nós, nós estamos unidos pelos animais; enquanto os anti-veg existem por que existimos e unem-se para nos atacar, nós existimos porque não aceitamos a exploração e o sofrimento dos animais.